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STJ: CONGESTIONAMENTO SEM PRECEDENTES!?RACIONALIZAÇÃO POR PRECEDENTES E I.A.

  • Gisele Welsch
  • 25 de mar.
  • 6 min de leitura













Gisele Welsch

Pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Doutora e Mestre em Teoria da Jurisdição e Processo (PUC-RS). Especialista em Direito Público (PUC-RS). Professora de cursos de pós-graduação lato sensu em Processo Civil (IDP, UERJ e UCS). Membra do IBDP, ABEP e Amigas da Corte. Advogada com atuação nos tribunais superiores.




O cenário institucional do STJ inspira preocupação em função da alta taxa de congestionamento (em 2024 foi registrado o recorde de processos), o que compromete a qualidade da prestação jurisdicional e a realização da missão constitucional da Corte da Cidadania de promover a uniformização da interpretação da legislação federal dos tribunais brasileiros.

 

A média por ministro superou 20 mil julgados pela primeira vez na história do STJ. Em 2010 essa média era de 10 mil. Atualmente, o acervo processual do STJ é de mais de 332 mil processos. Contudo, ao longo de 2024, o número de ações distribuídas foi de 501.024 – foi a primeira vez na história que o tribunal superou a marca de 500 mil ações distribuídas e registradas.[1]

 

Nesse contexto, torna-se imperioso que se implemente um filtro recursal para o recurso especial, como é o caso da relevância da questão federal já previsto pela EC 125/22, mas ainda pendente de regulamentação. Outra medida que se tornou indispensável foi a aplicação de sistemas de inteligência artificial no auxílio de atividades dos servidores e gabinetes para fins de maior racionalização de trabalho e celeridade processual.

 

Desde que a Emenda Constitucional 125/22 foi promulgada (14/07/2022), muitas críticas e preocupações já foram expostas pela doutrina, especialmente quanto à restrição de acesso dos jurisdicionados ao STJ e à pertinência e adequação dos critérios de relevância presumida apresentados no § 3º inserido no art. 105 da CF/88.[2]

 

Embora seja consenso na prática forense a necessidade de descongestionamento e melhora de funcionamento no âmbito do STJ, a solução apresentada pela EC 125/22 é controversa.[3] Além disso, há a expectativa e preocupação com o teor e providências da norma regulamentadora, que inicialmente foi apresentada pelo próprio STJ e, por fim, o Conselho Federal da OAB encaminhou o seu texto para o Congresso Nacional, com alterações significativas (Abril de 2024).

 

Enquanto o projeto apresentado pelo STJ eleva a decisão da relevância ao grande precedente qualificado do tribunal, a proposta apresentada pelo Conselho Federal da OAB sugere que o filtro seja apenas mais um requisito de admissibilidade do recurso especial, sem eficácia vinculante, o que esvaziaria a sua função de filtro para fins de redução quantitativa de novos recursos para serem julgados pela Corte. Merece registro o projeto enviado pela Associação Brasiliense de Direito Processual Civil com previsões de regulamentação em consonância com a dinâmica de formação de precedentes judiciais vinculantes. Porém, até o momento (março de 2025) não há evolução da questão no Senado Federal.[4]

 

Esse é o contexto atual da realidade institucional do STJ e as perspectivas para a implementação do filtro da relevância, que aguarda a regulamentação pelo legislador ordinário. Enquanto isso, o Tribunal busca auxílio operacional de sistemas de inteligência artificial para otimizar o trabalho de servidores e agilizar o trâmite processual.

 

Assim, percebe-se que a adoção de mecanismos de inteligência artificial e a utilização de recursos e meios digitais são movimentos inevitáveis em prol do avanço qualitativo da prestação jurisdicional em todo o mundo.[5] Contudo é preciso ponderação e preservação máxima possíveis das garantias e liberdades constitucionais, por meio do diálogo ético e democrático e de um modelo colaborativo de processo, todos amparados pela legislação processual brasileira vigente.

 

Portanto, o critério da ética no uso de ferramentas de inteligência artificial deve ser desenvolvido e aplicado na prática, sendo que o Conselho Nacional de Justiça primeiramente editou a Resolução n° 332 de 2020 (inspirada nas normativas europeias), que trata sobre os seguintes aspectos: respeito aos direitos fundamentais, não discriminação, publicidade e transparência, governança e qualidade, segurança, controle do usuário, pesquisa, desenvolvimento e implantação, prestação de contas e responsabilização.

 

No último dia 11 de março, o CNJ publicou a Resolução nº 615, a qual estabelece diretrizes para o desenvolvimento, para utilização o e governança de soluções desenvolvidas com recursos de inteligência artificial no Poder Judiciário.

 

Portanto, recentemente e, considerando a experiência de uso de mecanismos de I.A até aqui, há regulamentação específica para o emprego de técnicas de inteligência artificial generativa no âmbito do Poder Judiciário, com plena transparência e publicidade, de modo a assegurar que sua utilização esteja em consonância com valores éticos fundamentais, incluindo dignidade humana, respeito aos direitos humanos, não discriminação, devido processo, devida motivação e fundamentação da prestação da atividade jurisdicional, prestação de contas e responsabilização.

 

A resolução também evidencia a importância de promover a autonomia dos tribunais na adoção de tecnologias inovadoras, incentivando práticas que garantam a inovação ética, responsável e segura no uso da inteligência artificial, além de outras disposições relevantes e adaptadas à realidade e demandas do Poder Judiciário.

 

As ferramentas de inteligência artificial têm a função de agrupamento e identificação dos recursos repetitivos (Athos), agilização de busca e filtragem de decisões pelos gabinetes (Sócrates) e, mais recentemente, para a realização de geração de relatórios de decisões e análise da admissibilidade dos Agravos em Recursos Especiais (AREsps), classe mais numerosa do acervo do tribunal (Logos).


O sistema Athos visa a dar plena operabilidade à eficácia expansiva do sistema de precedentes, realizando o que o trabalho humano teria muita dificuldade de cumprir, assim como o Sócrates, prestando apenas um auxílio, não substituindo a tomada de decisão humana.[6]

 

Sobre a operacionalização das ferramentas e técnicas de inteligência artificial nos tribunais superiores, é preciso destacar que a utilização de ferramentas pelo STJ de mapeamento quantitativo e qualitativo dos processos de órgãos (MP, DP, AGU, Procuradorias) para verificação de casos em que a pretensão é manifestamente contrária aos precedentes do STJ têm viabilizado acordos de cooperação entre esses órgãos e o STJ para a desjudicialização/ redução da litigiosidade em todas as instâncias.

 

Apesar da importância da utilização desses mecanismos em prol da racionalização do trabalho e promoção da celeridade processual, é importante que essas ferramentas sejam utilizadas de forma a viabilizar tais resultados, mas sempre conduzidas pelo trabalho humano, técnico e qualificado, e jamais em substituição à presença humana, especialmente em atividades como a prolação de decisões (identificação e definição da “ratio decidendi”), que precisam ser executadas de modo artesanal e cuidadoso, sob pena de subverter a finalidade dessas técnicas e comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.

 

É fundamental que as ferramentas de inteligência artificial sejam manejadas para concretizar os princípios constitucionais e processuais da eficiência e da razoável duração do processo, mas jamais comprometendo o dever de adequada e completa fundamentação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX da Constituição Federal.

 

O princípio da publicidade, corolário do princípio democrático do processo também precisa ser preservado na sistemática de deliberação eletrônica, de forma que terceiros interessados e com potencial de colaboração técnica devem ser admitidos na condição de amicus curiae para a finalidade de legitimação democrática na formação de decisões judiciais, especialmente naquelas alçadas à condição de precedente judicial.[7]



 

[2] WELSCH, Gisele Mazzoni. A relevância no recurso especial: controvérsias e perspectivas para a regulamentação e aplicação do filtro recursal previsto na EC125/22. Relevância da questão federal no Recurso Especial/Coordenadores: Mauro Luiz Campbell Marques, et. al. Londrina: Thoth, 2023, p. 277-283.

[3] Embora se reconheça que os critérios estabelecidos pela emenda constitucional 125/22 determinam apenas a relevância presumida da matéria federal discutida, possibilitando ao recorrente que demonstre de forma fundamentada a transcendência da questão nas hipóteses não contempladas nos critérios da EC 125/22, a doutrina pontua que será imposto tratamento desigual para as partes recorrentes, pois enquanto um interporá seu RESP com relevância predeterminada, o outro terá de exercer o ônus argumentativo para demonstrar a relevância em preliminar de seu recurso, ofendendo claramente os direitos fundamentais da isonomia e da dignidade da pessoa humana. (NUNES, Dierle e LISBOA, Cícero. Primeiras impressões da arguição de relevância no recurso especial. In: https://www.conjur.com.br. Acesso em 18/05/2024).

[4] Projeto de Lei n° 3804, de 2023 encontra-se aguardando designação de relator desde 24/08/2023 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, conforme consulta na página do Senado Federal.

[5] WELSCH, Gisele Mazzoni. Atos judiciais por meio eletrônico: Oportunidade para o progresso e a necessária preservação de garantias processuais constitucionais. Revista de Direito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, v. 2, 2024, p. 183-188.

[6] ARRUDA ALVIM, Teresa; Dantas, Bruno. Precedentes, Recurso Especial e Recurso Extraordinário. 7ª edição. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2023, p. 843.

[7] WELSCH, Gisele Mazzoni. Legitimação Democrática do Poder Judiciário no Novo CPC (Coleção Liebman). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 190.



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