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O SEGURO-GARANTIA E A SUSPENSÃO DOS ATOS DE CONSTRIÇÃO FISCAL

  • Martha Rosso Leonardi
  • 14 de mar.
  • 8 min de leitura












Martha Rosso Leonardi

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

Pós-Graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

Advogada na banca Tourinho Leal Drummond de Andrade.



O Superior Tribunal de Justiça julgará, sob o rito dos recursos repetitivos, uma questão de grande relevância às garantias dos contribuintes. O Tema 1263 busca definir se a apresentação de seguro garantia tem o efeito de impedir o encaminhamento do título a protesto e a inscrição do débito tributário no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (CADIN).


Ou seja, o tema aborda questão da manutenção ou não do nome do contribuinte no CADIN e do protesto lançado em seu desfavor, quando presente esse tipo de garantia. Para análise, foram afetados, em junho de 2024, o REsp 2098943/SP e o REsp 2098945/SP, ambos de relatoria do Min. Afrânio Vilela.


Em 2014, foi publicada a Lei nº. 13.043, que deu nova redação ao art. 9º, II, da Lei de Execução Fiscal, para facultar expressamente ao executado a possibilidade de oferecer fiança bancária ou seguro-garantia como meio de se assegurar a efetividade da execução, o que deu margem ao debate sobre a possibilidade de que a oferta de tais modalidades de garantia também suspendesse a exigibilidade de crédito não tributário.


A discussão posta à baila está intimamente ligada à interpretação do art. 151 do CTN, que dispõe acerca das hipóteses de suspensão do crédito tributário, em que se define que nos casos em que se discute a execução de crédito tributário pela Fazenda Nacional, poderá ser suspensa a exigibilidade se presente alguma daquelas hipóteses previstas, quais sejam: (i) moratória; (ii) depósito do montante integral do débito; (iii) reclamações e recursos; (iv) concessão de medida liminar ou de tutela antecipada; e (v) parcelamento.


Nesse diapasão, o art. 151, inc. II, que abarca a hipótese de o depósito do montante integral do débito suspender a exigibilidade do crédito, tem sido analisado sob a ótica da equiparação do depósito em dinheiro do montante devido à apresentação de seguro garantia, a qual foi trazida à baila no texto do Código de Processo Civil (“CPC”), notadamente, no art. 835, §2º do diploma normativo.


Importa salientar que o depósito judicial configura instrumento de garantia destinado a assegurar o adimplemento da obrigação pecuniária ao término da controvérsia judicial. Tal depósito consubstancia um direito subjetivo do executado, revestido de natureza jurídica de pagamento provisório, subordinado à condição resolutória. O montante depositado permanece vinculado ao desfecho da lide: será convertido em receita pública caso a legalidade da cobrança seja reconhecida em juízo, ou restituído ao depositante na hipótese de êxito da defesa.


Sobre o assunto, o professor Hugo de Brito Machado[1] ensina:

 

O depósito a que se refere o art. 151, II, do CTN é um ato voluntário do sujeito passivo da relação tributária que pretenda ter suspensa a exigibilidade do crédito tributário ou do dever de efetuar o pagamento antecipado do tributo, nos casos em que este é legalmente exigido.

 

Nesse sentido, é importante, para o deslinde do tema, que se entenda a natureza do seguro-garantia e quais pontos o fazem convergir (ou não) a dinheiro para os fins que ora se discute. Se o CPC o equipara ao dinheiro, no propósito de garantir a execução, por que, não o faz também, no escopo de suspender o crédito a possibilitar a discussão judicial, a partir do que define o art. 151, inc. II do CTN? 


Assim, com a apresentação do seguro-garantia nas discussões que envolvem a execução de crédito da Fazenda Nacional, além do depósito assegurar a efetividade ao processo executório – abrindo espaço para oposição de embargos à execução, por exemplo –, também suspenderia a exigência do crédito tributário até o final da discussão.


Sobre o assunto, a jurisprudência tem sido sólida no sentido de que a fiança bancária e o seguro-garantia não seriam equiparáveis ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Isso porque a jurisprudência interpreta, de forma majoritária, que o rol do art. 151 do CTN é taxativo, não podendo ser ampliado por interpretação ou aplicação analógica. Conforme se vê quando da leitura do precedente abaixo:


2. O art. 151 do CTN dispõe que, in verbis: 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) VI – o parcelamento.” 3. Deveras, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (que implica óbice à prática de quaisquer atos executivos) encontra-se taxativamente prevista no art. 151 do CTN, sendo certo que a prestação de caução, mediante o oferecimento de fiança bancária, ainda que no montante integral do valor devido, não ostenta o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário, mas apenas de garantir o débito exequendo, em equiparação ou antecipação à penhora, com o escopo precípuo de viabilizar a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa e a oposição de embargos. (STJ, 1ª. Seção, REsp 1.156.668 , j. 24.11.2010, DJ 10.12.2010, Rel. Min. Luiz Fux) (grifo nosso)

 

Como já mencionado nos autos, o Código de Processo Civil (“CPC”), nos termos do art. 835, §2º, autoriza que o dinheiro e o seguro-garantia sejam equiparados para fins de substituição de penhora. Tal posição, inclusive, é sedimentada pela jurisprudência pátria, conforme se vê:


(...) RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. (...) SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA EM DINHEIRO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL. (...)3. O legislador, ao dispor sobre a ordem preferencial de bens e a substituição da penhora, expressamente equiparou a fiança bancária e o seguro-garantia judicial ao dinheiro, nos seguintes termos: "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento" (art. 835, § 2º, do CPC/15).4. Precedente desta Terceira Turma a afirmar que: "dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida" REsp 1.691.748/PR, DJe 17/11/2017). (...)

(STJ - REsp: 2034482 SP 2022/0334263-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/03/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/03/2023)

 

Nesse sentido, sendo o dinheiro, a fiança bancária e o seguro-garantia equiparados para os fins de substituição da penhora e da garantia do valor da dívida ativa (não tributária), deveriam sê-lo também para fins de suspensão de exigibilidade. Assim, tem completo sentido pressupor que o seguro-garantia, por ser equiparado ao dinheiro, nos termos acima indicados, poderia, também, equiparar-se para demais finalidades, como a suspensão do crédito não tributário.


Como se sabe, o seguro-garantia tem como escopo assegurar o fiel cumprimento de obrigações que eventualmente sejam confirmadas, após a devida apreciação judicial. Nessa hipótese, o credor das obrigações garantidas é o segurado (no caso, a União), sendo o tomador do seguro o contribuinte. Na prática, a seguradora se responsabiliza pelo pagamento da indenização se o tomador não cumprir a obrigação garantida.


Assim, no momento em que a Fazenda Pública exige o pagamento da dívida ativa, tanto o dinheiro quanto o seguro-garantia judicial são colocados imediatamente à sua disposição. Ou seja, o débito é plenamente garantido, não havendo distinção quanto aos efeitos.  


Inclusive, o art. 206 do CTN permite que sejam atribuídos à certidão, que indique a existência de créditos não vencidos, em execução fiscal com penhora efetivada ou com exigibilidade suspensa, os mesmos efeitos da certidão negativa.


Nesse sentido, diante da inexistência de previsão legal no ordenamento jurídico, a aplicação extensiva do art. 151 do CTN, em consonância com o art. 835, §2º do CPC, além de preencher lacuna legislativa, traria melhores linhas aos processos de execução fiscal. Nesse ponto, o professor Paulo de Barros Carvalho[2] ensina que:


É nessa área que surgem os obstáculos de problemática transposição, em virtude de nos depararmos com vácuos normativos, verdadeiras lacunas que a linguagem leiga do legislador plasmou no texto da lei. É a hora de integrarmos o sistema, buscando a sua plenitude e a unicidade que o caracteriza como estrutura científica. Nesse preciso instante, aparece a integração como o único meio de interpretarmos o direito, descrevendo-o na sua sistematicidade entitativa. Somos levados a acreditar, com foros de convicção, que a providência integrativa não só pertence ao processo de interpretação, como dele é parte fundamental, pois é ela que nos permite ver a ordem jurídica como um todo organizado, nos seus entrelaçamentos verticais — hierarquia — e horizontais — relações de coordenação. Por esse rumo, chegaremos a vislumbrar, finalmente, o direito posto como enorme pirâmide de proposições prescritivas, em que as normas se distribuem numa derivação escalonada.

 

Isto é, é necessário que o Poder Judiciário, quando da interpretação das normas e das lacunas existentes, o faça com proporção e integrando o sistema normativo, a fim de ponderar as invocações do mundo concreto à legislação, a fim de garantir a efetivação do direito das partes e a melhor perfectibilizarão do próprio procedimento processual.


A finalidade do processo de execução fiscal é garantir que as obrigações fiscais sejam cumpridas e a arrecadação necessária para o funcionamento do Estado seja mantida. É justamente no âmbito da garantia do adimplemento dessas obrigações que o seguro-garantia assume papel de suma importância nas execuções, equilibrando os princípios da eficiência e menor onerosidade.

Sobre a temática, o Ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento do REsp 1.691.748[3], já teve a oportunidade de destacar que o seguro-garantia judicial harmoniza o princípio da máxima eficácia da execução para o credor com o princípio da menor onerosidade para o executado, conferindo proporcionalidade aos meios de satisfação de crédito”. Ou seja, além de ter o mesmo efeito do dinheiro, o seguro-garantia traz mais eficiência ao processo de execução.


É nesse sentido que permitir a inscrição do débito tributário no CADIN e o encaminhamento da execução fiscal a protesto, mesmo quando a dívida está definitivamente garantida no processo judicial por meio de seguro-garantia, representa uma grave violação aos direitos dos contribuintes e configura uma vantagem desproporcional à Fazenda Pública.


Afinal, se o seguro-garantia foi expressamente equiparado ao dinheiro para fins de substituição de penhora, conforme previsto no art. 835, § 2º, do Código de Processo Civil, não há justificativa razoável para negar-lhe o mesmo efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, tal como previsto no art. 151, II, do CTN.


Essa interpretação restritiva impõe um ônus excessivo ao contribuinte, que, mesmo garantindo integralmente o crédito, permanece sujeito a restrições severas – como é a negativação e a restrição de crédito – que podem inviabilizar a atividade empresarial.


Além disso, a manutenção dessas medidas coercitivas, quando a dívida já está assegurada, distorce a finalidade do processo de execução fiscal, que é garantir o adimplemento do crédito e não punir o contribuinte. Tal prática compromete o equilíbrio entre a eficiência da execução e a menor onerosidade para o devedor, violando princípios constitucionais como os da proporcionalidade e da razoabilidade. Portanto, reconhecer que a apresentação do seguro-garantia impede o protesto e a inscrição no CADIN é uma medida essencial para restaurar a harmonia do sistema jurídico.


[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. – 41. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2020. p. 192.

[2] CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de direito tributário. /Paulo de Barros Carvalho. - 31. ed. rev. atual. - São Paulo: Noeses, 2021. p. 101.

[3] REsp n. 1.691.748/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 17/11/2017.

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