O PLANO PENA JUSTA: UMA ESPERANÇA NA VIRADA DE CHAVE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
- Thainá Carício
- 27 de fev.
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Thainá Carício
Graduação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal (IDP). Membro da Comissão de Direito Penal Econômico da Abracrim/PB.
Advogada no escritório Antun Advogados.
No último dia 12 de fevereiro, foi lançado no Supremo Tribunal Federal (STF) o Plano Pena Justa, que representa uma importantíssima iniciativa voltada ao sistema penitenciário brasileiro e à segurança pública, e é fruto de alinhamento entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Conselho Nacional de Justiça.
Para detalhar melhor o mencionado Plano, é preciso rememorar a notável decisão do STF, proferida ainda em 2015, na análise cautelar da ADPF 347, em que a Corte reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema prisional brasileiro, ante a situação de violação generalizada a direitos fundamentais nas prisões do país.
Essa violação sistemática é identificada porque, hoje, os apenados, além de cumprirem suas penas privativas de liberdade, são condenados a enfrentar as condições desumanas do sistema penitenciário. A superlotação das celas, a alimentação insuficiente e de baixa qualidade, a infraestrutura precária e a falta de higiene, transformam a punição legal em um verdadeiro martírio.
Além disso, muitas unidades prisionais estão sob o domínio de facções criminosas, que impõem suas próprias regras e ampliam a violência dentro dos presídios. Esse cenário não apenas viola os direitos humanos dos detentos, mas também compromete a segurança pública, alimentando um ciclo contínuo de criminalidade, com alta taxa de reincidência.
Na decisão da ADPF 347, além de determinações voltadas a juízes e tribunais, dentre as quais destaca-se a deliberação da realização de audiência de custódia no prazo de até 24 horas após a prisão, a Corte pontou que o grave cenário é decorrente de problema estrutural, o que exige a atuação dos Três Poderes, nos âmbitos nacional e estadual.
Foi assim que, então, se originou o plano Pena Justa, uma vez que, na decisão, se determinou a “a construção conjunta do Plano Nacional de Intervenção no Sistema Prisional pela União e pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça”.
A ideia é, portanto, de uma reforma mais ampla do sistema prisional, com políticas públicas sólidas, diante de um “sistema marcado, em geral, por políticas imediatistas e com pouca atenção a resultados para toda população brasileira”.[1]
O plano estabelece ações e metas a serem cumpridas até o ano de 2027, organizadas em quatro eixos principais, quais sejam: i) controle da entrada e das vagas prisionais; ii) melhoria da infraestrutura e dos serviços; iii) processos de saída e reintegração social; e iv) garantia da continuidade das transformações.
O primeiro eixo se volta a dois problemas centrais, que são a superlotação carcerária e o uso excessivo da pena privativa de liberdade. Propõe ações mitigadoras, tais quais a necessidade de qualificar e recalcular as vagas do sistema prisional, para que a ocupação máxima possa ser respeitada; e a adoção de medidas substitutivas da prisão.
O segundo eixo se centra nos seguintes aspectos: i) a inadequação da arquitetura prisional; ii) baixa oferta e má qualidade dos serviços prestados nas prisões; iii) tratamentos desumanos, cruéis e degradantes às pessoas privadas de liberdade; e iv) falta de transparência e de canais efetivos para denúncias dos problemas prisionais.
Já o terceiro eixo pretende atuar em dois pontos, quais sejam: o processo de saída da prisão sem estratégia de inserção social e a irregularidade e gestão insuficiente dos processos de execução penal. Aqui, destaca-se o Programa Emprega 347, que tem como objetivo oferecer ocupação de trabalho a 100% (cem por cento) das pessoas presas, além de vagas para pessoas no regime semiaberto e egressas, em obras do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC).
Por fim, o quarto eixo traz os seguintes problemas: i) a baixa institucionalização do enfrentamento ao Racismo no ciclo penal; ii) políticas penais e orçamentos frágeis; iii) desalinhamento dos servidores penais e do sistema de justiça com as estratégias de inserção social; iv) desrespeito aos precedentes dos Tribunais Superiores e às normativas do CNJ; e v) necessidade de medidas de responsabilização e reparação públicas da questão prisional no Brasil.
Muito além de transformar o sistema prisional brasileiro, o plano representa a esperança de transformação na segurança pública do país, uma vez que conferir dignidade e ofertas de ocupação às pessoas presas pode significar a redução do ciclo de violência, à medida que levará à diminuição da reincidência.
E é por isso que esse é, ou ao menos deveria ser, um tema de interesse de toda a sociedade. Pensar que essa conjuntura de desumanidade nas penitenciárias do país não afeta a vida de todos aqueles que gozam da plena liberdade é um erro que não pode ser cometido.
Em seu discurso no lançamento do Plano, o Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “o plano Pena Justa tem a pretensão de ser uma virada de chave nessa trajetória disfuncional do sistema prisional brasileiro”.
Agora, diante de um plano bem delineado, a perspectiva é que se possa implementar uma verdadeira transformação no sistema prisional brasileiro, alcançando essa “virada de chave”, por meio do combate veemente à violação de direitos humanos e, sobretudo, da promoção de dignidade às pessoas privativas de liberdade.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Políticas Penais. Emprega 347. Brasília, DF, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/pena-justa/plano-pena-justa/emprega-347.pdf. Acesso em: 17 fev. 2025.
BRASIL. Sumário Executivo - Pena Justa: Consulta Pública. Brasília, DF, abr. 2024. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/sumario-executivo-pena-justa-consulta-publica.pdf >. Acesso em: 18 fev. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Poderes Judiciário e Executivo lançam Programa Pena Justa. Brasília, DF, 12 fev. 2025. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/poderes-judiciario-e-executivo-lancam-programa-pena-justa/. Acesso em: 15 fev. 2025.
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