O PESO DOS IMPOSTOS NA MESA DA CLASSE BAIXA: COMO A TRIBUTAÇÃO SOBRE ALIMENTOS ESTÁ AFETANDO OS SEVERINOS DO BRASIL EM 2025?
- Vanessa Rayelli Moura Costa
- 4 de abr.
- 6 min de leitura

Vanessa Rayelli Moura Costa
Bacharel em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)
Pós-Graduanda em Direito Tributário pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)
Advogada.
Entre versos e estrofes, o poeta João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina[1], narra a difícil realidade de Severino, um jovem que, ao enfrentar privações como a fome, a sede e o desemprego, decide deixar o Sertão Pernambucano rumo ao litoral em busca de condições mínimas para uma vida digna. Ao decorrer do poema, o autor modernista proporciona ao leitor a sensação de imersão em um contexto envolvendo insegurança alimentar devido à seca, morte antes dos trinta anos, guerra fundiária e um Estado ineficaz na formação de suas políticas públicas e na defesa da dignidade humana.
Embora o contexto literário gire em torno do personagem Severino, o poeta emprega uma metáfora para ilustrar que todos aqueles imersos naquela realidade de miséria e fome eram conhecidos pelo nome de Severino, isso porque não havia qualquer meio capaz de retirá-los da condição “severa” que se encontravam. Assim, ao nomear os cidadãos como "Severino", o poeta evidencia a falta de individualidade diante de uma realidade massificada pelo sofrimento comum da população e expõe a falta de oportunidade para sobreviver em um lugar onde os alimentos eram escassos e a rotina constante os condenava a um ciclo contínuo de privação e desigualdade.
“E se somos Severino iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes do trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. (MELO NETO, João Cabral de, 1955, p. 92)
Atualmente, embora o Brasil tenha avançado na instituição do plano de segurança alimentar e nutricional, a realidade dos Severinos não ficou adstrita e ilustrada apenas em livros. Não é de hoje que o Brasileiro, em especial a classe baixa, é impactada economicamente com a constante alta no preço dos alimentos e o enfrentamento das variadas barreiras ao acesso das prateleiras do mercado. De acordo com o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)[2]", publicado em 2023 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), foi apontado que “21,1 milhões de pessoas no país estavam em 2022 em insegurança alimentar grave, caracterizado por estado de fome”.
Fato é que, mesmo após o contexto pandêmico e o retorno das atividades comerciais, a realidade da restrição alimentar vem se tornando cada vez mais evidente no Brasil em 2025. Enquanto o alto custo dos alimentos impacta as prateleiras dos supermercados e impossibilita que a classe baixa tenha acesso aos alimentos, a pressão inflacionária sobre a comida gera crescente preocupação entre os brasileiros. Nesse contexto, com base em dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[3], em março deste ano, a inflação apresentou uma desaceleração com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) registrando uma alta de 0,64% no mês, abaixo dos 1,23% conforme observado em fevereiro.
Apesar da desaceleração do IPCA-15 a 0,64% comparado ao mês de fevereiro, a alta dos preços dos alimentos ainda está sendo refletida sobre os itens básicos dos setores de alimentação e bebidas, porquanto sendo os principais responsáveis pelo custo no orçamento da baixa renda. Outro fator determinante e capaz de influenciar no preço final do produto alimentício está relacionado à tributação regressiva, em que o foco do tributo indireto é incidir sobre o consumo. Nas palavras do Professor Roberval Rocha[4], o tributo indireto “é aquele em que o contribuinte de direito recolhe o valor aos cofres públicos, mas transfere o ônus econômico para outra pessoa, chamado contribuinte de fato” (ROCHA, 2014, p. 68)
É bem verdade que o problema histórico de insegurança alimentar do país não se resume apenas a questões tributárias e inflacionárias, vez que devem ser consideradas causas sociais como a falta de empregabilidade, desigualdades sociais, ausência de políticas públicas regionais, crises econômicas e a política internacional.
Apesar dos fatores, não se pode ignorar que parte da restrição ao acesso alimentar da classe baixa está diretamente relacionada ao sistema tributário brasileiro, que influencia significativamente o preço dos alimentos ao consumidor final.
Como se sabe, no Brasil adota-se um modelo tributário baseado no consumo, no qual não se considera características fundamentais como capacidade contributiva do indivíduo e a existência de desigualdades sociais instauradas na sociedade. É o que explica o pesquisador João Viana[5]:
É a marca essencial do sistema tributário brasileiro. Em português claro, quem tem mais paga menos. A maior penalização dos mais pobres é sintetizada pelos seguintes itens: i) excesso de tributação sobre bens e serviços, de 18,8% do PIB, a maior do que em qualquer país da OCDE onde a média é de 11,6% do PIB (...) (VIANA, João, 2015).
Neste ponto, ao se deparar com um cenário com alta inflacionária, tributação sobre o consumo e impactos significativos para a classe baixa, recentemente, o Governo Federal estabeleceu medida[6] urgente para reduzir a zero o Imposto de Importação sobre azeite, milho, óleo de girassol, sardinha, biscoitos, massas, café, carnes e açúcar. Embora os esforços governamentais busquem reduzir os preços finais ao consumidor e garantir a segurança alimentar da população neste momento de crise, vários pontos foram levantados por setores econômicos, especialmente quanto ao fato da perda de arrecadação, publicidade da estimativa de renúncia fiscal e como o governo compensará a desoneração.
Se, por um lado o Governo Federal se esforça para reduzir os impactos fiscais e inflacionários para os anos de 2025 e 2026, outras projeções começam a moldar as expectativas do mercado para o ano 2027. Isso ocorre porque, em 2027, o PLC nº 68/2024 entrará em vigor, proporcionando isenção total de impostos sobre os alimentos essenciais da cesta básica, uma medida crucial para beneficiar a população de baixa renda e oferecer um alívio no orçamento.
Todavia, a crítica pode ser direcionada, sobretudo ao fato de que seus efeitos só serão plenamente sentidos em 2027, impondo um longo período de espera para aqueles que tem grande parte de sua renda comprometida com os preços altos para a compra de alimentos. Além disso, embora a isenção de impostos possa contribuir para a redução dos preços, essa estratégia isolada pode não ser suficiente para solucionar problemas estruturais mais profundos, como a inflação que ainda persiste no Brasil e os elevados custos de produção dos alimentos, que continuam a pressionar a cadeia produtiva.
Ainda, para efeitos futuros, a cadeia produtiva agropecuária pode enfrentar sofrer pressões econômicas a longo prazo. Isso porque, o art. 9º, §1º, inciso XI, da EC nº 132/2023 prevê a redução em 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para os agrotóxicos, com o objetivo de diminuir os custos na cadeia produtiva. Apesar do fator influenciar o setor agropecuário, o Partido Verde ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.755, contestando a constitucionalidade dos incentivos fiscais estatais a insumos agropecuários e aquícolas.
Assim, seja hoje no combate à inflação ou no aumento tributário, seja futuramente no julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da redução da alíquota de 60% de ICMS para agrotóxicos, tais situações refletem como essa discussão pode impactar o preço dos alimentos e o acesso à alimentação no Brasil. A reflexão a ser feita é sobre a necessidade de políticas que priorizem a segurança alimentar de forma estrutural e permanente, evitando que a classe baixa seja sempre a mais prejudicada.
Entre o passado e o futuro, os Severinos do Brasil estão sendo profundamente impactados pela carga tributária, pela inflação crescente e pelas oscilações do mercado global. O peso dos impostos, que recaem de forma indiscriminada, torna ainda mais difícil o acesso a uma alimentação digna, acentuando as disparidades sociais e econômicas.
O fato é que os atuais Severinos não podem esperar até 2027 para que o imposto zero sobre alimentos da cesta básica efetive o direito fundamental à manutenção da vida e à dignidade humana. De outro modo, os Severinos do Brasil não podem ser reféns de políticas que priorizam incentivos fiscais para empresas, na esperança de que isso resulte em preços justos dos alimentos. A segurança alimentar deve ser uma prioridade imediata, e não uma promessa para o futuro.
[1] MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina; e outros poemas/ João Cabral de Melo Neto. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
[2] FAO; IFAD; UNICEF; WFP; WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World 2023: Urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023. Disponível em: https://openknowledge.fao.org/handle/20.500.14283/cc3017en. Acesso em: 27 mar. 2025.
[3] IBGE. Alimentos e transportes pressionam e IPCA-15 fica em 0,64% em março. Agência de Notícias do IBGE, 29 mar. 2025. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/42960-alimentos-e-transportes-pressionam-e-ipca-15-fica-em-0-64-em-marco. Acesso em: 27 mar. 2025.
[4] ROCHA, Roberval. Direito Tributário. Salvador: JusPODIVM, 2014
[5] VIANA, João. As distorções de uma carga tributária regressiva. Brasília – DF. 2015. Ano 12. Edição 86 – 28/03/2016.
[6] BRASIL. Governo federal confirma tarifa zero para alimentos. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2025/marco/governo-federal-confirma-tarifa-zero-para-alimentos. Acesso em: 27 mar. 2025.
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