IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E O IPTU SOBRE BENS AFETADOS À CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
- Nathália Fritz
- 5 de fev.
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Nathália Caroline Fritz Neves
Pós-Graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP. Membro do Comitê de Regulação Ferroviária da FGV, da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB/DF, da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/DF, dos grupos Ferroviário e Portuário do InfraWoman, e integrante das comissões de portos, de rodovias e ferrovias do IBDRE.
A questão envolvendo o real alcance da imunidade recíproca incidente sobre os imóveis da União entregues ao particular por intermédio de contratos de concessão de serviços públicos vem ensejando intensos e acalorados debates, sem que a doutrina ou o Poder Judiciário tenham conseguido pacificar a questão.
O Tema 1.279, em sua origem, versa acerca da dúvida jurídica se o arrendamento de bem imóvel da União para concessionária de serviço público, no caso, de transporte ferroviário, afastaria a imunidade tributária recíproca (prevista no artigo 150, VI, a, e §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988), com a consequente incidência de IPTU sobre o imóvel afetado à prestação do serviço[1].
Sobre este ponto, vale ressaltar que a discussão é contraditória até mesmo entre os entes políticos: enquanto União é adversa ao imposto, desde que não haja destinação ao uso comercial do imóvel, os municípios defendem sua incidência sobre os terrenos, notadamente em razão do fato que estas áreas são destinadas à atividade econômica. À guisa de argumentação, os entes municipais citam as concessionárias de aeroporto, as quais auferem lucro sobre as áreas de embarque e desembarque, com lojas e restaurantes[2].
Ao término de 2024, o Ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (“STF”), em decisão monocrática no RE 1.479.602-MG[3], determinou a suspensão dos efeitos judiciais e administrativos relativos à incidência tributária para bens afetados à prestação de serviço público, em âmbito nacional. A suspensão visa afastar múltiplas decisões conflitantes acerca do tema e conferir maior segurança jurídica aos players envolvidos.
Em que pese a matéria ainda estar em deliberação, a Suprema Corte, em outras oportunidades, já emitiu decisões distintas, reforçando a complexidade e nuances jurídicas que permeiam a imunidade tributária de bens públicos[4].
Em 2017, por exemplo, acompanhando o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, o STF reconheceu a incidência de IPTU sobre bens públicos cedidos a particulares, atribuindo a esses últimos a condição de devedores do tributo (Tema 437)[5]. De forma similar, no julgamento do Tema 385[6], a Corte concluiu que o imposto predial pode ser exigido de empresa estatal arrendatária de imóvel público quando esta explora atividade econômica com fins lucrativos. Em ambos os precedentes, a desvinculação do imóvel de suas finalidades públicas foi destacada como o principal fundamento para justificar a incidência do tributo e sua cobrança ao particular.
Por outro lado, no RE 1.411.101-SP, entendeu-se de forma diversa ao se afastar a incidência do imposto à concessionária privada, exploradora do serviço de transporte metroviário, pois, para o STF, o imóvel permanece afetado ao serviço público, já que se trata de área destinada à construção de linha do metrô de São Paulo[7].
A Advocacia Geral da União compartilha deste posicionamento, tendo concluído no Parecer nº 20/2024[8] não ser possível a cobrança do IPTU sobre os terrenos cedidos às concessionárias, exceto quando há a exploração econômica do espaço:
Tendo em vista as especificidades dos diferentes serviços públicos passíveis de concessão, cabe ao poder concedente, ao fazer a modelagem das concessões (bem como, caso já não tenha sido realizado previamente, também nas concessões cujos contratos estejam em vigor), definir as áreas passíveis de exploração econômica em sentido estrito, sem vinculação às necessidades do serviço concedido - hipótese em que, caso implementada a atividade econômica, a imunidade recíproca poderá ser afastada e, consequentemente, haver o lançamento tributário por parte do Município.
Percebe-se, portanto, que o desafio é formular ou encontrar as razões determinantes e argumentativas que possam servir de critério de julgamento na avaliação dos limites da imunidade tributária recíproca e da incidência de IPTU sobre os imóveis da União, entregues aos particulares no contexto das concessões de serviço público.
Não obstante, a suspensão dos processos judiciais e administrativos que versem sobre esse assunto evidencia a importação da questão e o anseio pelo estabelecimento de critérios objetivos e consistentes para a aplicação da imunidade tributária recíproca sobre concessões públicas.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 1.279 de Repercussão Geral. Imunidade tributária recíproca sobre bens afetados à concessão de serviço público.
[2] MENGARDO, Bárbara. União e municípios divergem sobre a incidência de IPTU a concessionárias. Jota. Tributário. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/uniao-e-municipios-divergem-sobre-incidencia-de-iptu-a-concessionarias. Acesso em 27 jan. 2025.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.479.602. Relator: André Mendonça, j. 19.12.2024.
[4] GEBRIM, Juliana Deguirmendjian. Imunidade tributária recíproca e contratos de parceria. Dissertação (mestrado profissional) - Fundação Getúlio Vargas - FGV, Escola de Direito de São Paulo - 2023. Disponível em: https://hdl.handle.net/10438/34249. Acesso em 27 jan. 2025.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 437 de Repercussão Geral. Incide o imposto Predial e Territorial Urbano considerado bem público cedido a pessoa jurídica de direito privado, sendo esta a devedora. RE 601.720-RJ, Plenário, Relator Ministro Marco Aurélio, j. 19.04.2017.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 437 de Repercussão Geral. A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município. RE 594.015-SP, Plenário, Ministro Relator Marco Aurélio, j. 06.04.2017
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1.411.101. Relator: Alexandre de Moraes, Relator p/ acórdão: Luís Roberto Barroso. Primeira Turma. Divulg. 26/04/2024 Publicação 29/04/2024.
[8] BRASIL. Advocacia Geral da União. Parecer nº 00020/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/assuntos-1/sejan/parecer_cgu_sejan.pdf. Acesso em 27 jan. 2025.
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