CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL 17.731/2022-SP: PISTAS SOBRE O ENTENDIMENTO DO STF A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE RELICITAÇÃO E PRORROGAÇÃO ANTECIPADA DE CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO PRIVADA
- Thaís Strozzi
- 3 de fev.
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Thaís Strozzi Coutinho Carvalho
Mestrado Profissional em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-graduação em processo civil pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Ex-presidente da Comissão de Direito Aeronáutico, Aeroportuário e Espacial da OAB/DF. Advogada, sócia fundadora do Strozzi e Hoffmann Advogados.
O Supremo Tribunal Federal julgou, em maio de 2023, as ADPFs 971, 987 e 992, por meio das quais arguia-se suposto descumprimento de preceito fundamental previsto na Constituição da República, em razão da edição da Lei Municipal 17.731/2022, do Município de São Paulo, que estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria entre o Município de São Paulo e a iniciativa privada, em relação aos serviços públicos de competência do Município.
A Corte firmou entendimento para manter a validade da lei paulistana, permitindo a prorrogação antecipada e a relicitação de contratos firmados pelo município, pugnando tanto pela constitucionalidade formal quanto material da lei[1].
O instituto da relicitação e da prorrogação antecipada de contratos administrativos é tema que interessa aos setores de infraestrutura, ante a ampla utilização de contratos de concessão de serviços públicos por meio de parcerias público privadas, havendo também em âmbito federal a previsão de relicitação e prorrogação de contratos administrativos de tal natureza, a exemplo das previsões contidas na Lei 12.783/2013, que trata de contratos de concessão de serviço público de energia elétrica, na Lei 12.815/2013, permitindo a relicitação de contratos de arrendamento portuário celebrados na vigência da Lei nº 8.033/1996 e na Lei 13.448/2017, que versa sobre a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria firmados nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal.
O tema tem movimentado o setor de infraestrutura, que experimentou em abril de 2024 a primeira relicitação de ativos da história com base na Lei nº 13.448/2017, com o leilão de concessão da BR-040/MG, que contou com a participação de quatro empresas na disputa e um desconto de 11,21% sobre a tarifa básica de pedágio[2], refletindo em melhoria na manutenção e ampliação da malha rodoviária a menor custo para o usuário.
A relicitação consiste em procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria vigente e a celebração de novo ajuste para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim.
A prorrogação antecipada, por sua vez, garante a alteração do prazo de vigência do contrato quando apontada a necessidade de realização de novos investimentos pelo órgão contratantes, antecipando-se os efeitos da prorrogação antes do término da vigência do contrato, garantindo, portanto, ambiente de maior segurança jurídica para o parceiro privado chamado a realizar novos investimentos não previstos no contrato original.
Os contratos com prazo alongado de vigência e elevados custos, como usualmente são os contratos de concessão de serviços públicos, tendem a não ser capazes de regular todas as peculiaridades da relação entabulada, sendo natural o surgimento de situações não previstas quando da estruturação do projeto, a exemplo da necessidade de novos investimentos não previstos originalmente.
Desse modo, a previsão legislativa que aponta para a possibilidade de relicitação e de prorrogação antecipada de contratos garante não apenas a segurança jurídica necessária para a realização de investimentos e incorporação de novas tecnologias e serviços, como principalmente, evita a ocorrência de conflitos decorrentes da implementação de circunstâncias originalmente não previstas no contrato de concessão.
Lado outro, há legítima preocupação que a prorrogação antecipada não viole o dever de licitar expresso no art. 37 da Constituição da República. Nesse sentido é que, ao julgar as ADPF 971, 987 e 992 ficou assentado que a constitucionalidade material da lei municipal paulistana, no que se refere à prorrogação antecipada depende dos seguintes fatores, verbis:
(i) que o contrato a ser prorrogado tenha sido previamente licitado;
(ii) que o edital de licitação e o contrato original autorizem a prorrogação;
(iii) que a decisão de prorrogação seja discricionária da Administração Pública;
(iv) que tal decisão seja sempre lastrada no critério da vantajosidade.
O entendimento é lastreado em precedentes do próprio Tribunal[3] que apontam para o mesmo sentido.
No que se refere à necessidade de que o contrato a ser prorrogado tenha sido previamente licitado, trata-se de condição já prevista na Lei 13.448/2017, e que precisa ser observado, de modo a não permitir a perpetuação de empresa contratada sem licitação para executar determinado objeto, o que violaria o dever de licitar previsto na Constituição.
A exigência de que a prorrogação esteja prevista no edital de licitação e no contrato a ser prorrogado nos parece bastante evidente, eis que se trata de hipótese de prorrogação contratual – apenas com efeitos antecipados em razão das circunstâncias do caso concreto – a qual somente é admitida em casos expressamente previstos no edital, como expresso na lei geral de licitações e contratos e nas leis que regulamentam as parcerias público privadas e a concessão de serviços públicos (art. 105 e 107 da Lei nº 14.133/2021; art.5º da Lei 11.079/2004 e art. 23 da Lei 8.987/1995).
A discricionariedade da administração contratante é tema já pacificado no âmbito do próprio STF, conforme RMS 34.203, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 21.11.2017, DJe 20.3.2018. É de se observar, ainda, que em âmbito federal a questão é tratada na própria Lei nº 13.448/2017, que expressamente prevê que as prorrogações poderão ocorrer por provocação de qualquer uma das partes do contrato de parceria e estarão sujeitas à discricionariedade do órgão ou da entidade competente.
Por fim, no que se refere ao critério de vantajosidade, trata-se de limitação à discricionariedade do administrador público, que necessariamente deverá demonstrar a vantagem da decisão adotada, frente à regra geral decorrente do dever de licitar, constitucionalmente previsto. Isso é, se a regra geral é a licitação, a prorrogação somente terá lugar quando demonstrada a vantagem de tal opção administrativa. O entendimento é amplamente consolidado no âmbito do Tribunal de Contas, que vem assentando que “antes da prorrogação de um contrato deve ser realizada ampla pesquisa de preços no mercado, com vistas à obtenção das condições mais vantajosas para a Administração”[4].
No que se refere à relicitação, trata-se de tema amplamente debatido em especial no âmbito do Tribunal de Contas da União, a quem compete apreciar previamente os processos administrativos relativos tanto à prorrogação antecipada quanto à relicitação de contratos de parceria público privadas, como expresso nos arts. 11 e 19 da Lei 13.448/2017.
A respeito do assunto, foi recentemente formulada consulta pelo Ministro de Estado de Portos e Aeroportos sobre a interpretação dos arts. 14, § 2º, inciso III, e 15, inciso I, da Lei 13.448/2017, que versam sobre o caráter irrevogável e irretratável do processo de relicitação do contrato de parceria.
A resposta à consulta formulada, apontou pela possibilidade de se rever o termo aditivo de relicitação do instrumento, desde que a revisão do ato seja por ato convencionado entre as partes de desde que observados uma série de requisitos impostos pelo TCU, como restou assentado no item 9.2.4 do Acórdão 1593/2023, do Plenário da Corte de Contas. Dentre os requisitos estabelecidos, a realização de estudos para demonstrar a vantajosidade de celebrar um novo termo aditivo de readaptação do contrato de concessão vigente em vez de prosseguir com o processo de relicitação, incluindo a avaliação de utilização da metodologia do fluxo de caixa marginal no estudo de vantajosidade para fins de garantia de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de parceria relacionados aos setores de que trata a lei.
Conclui-se, portanto, que a constitucionalidade material da Lei Municipal 17.731/2022, do Município de São Paulo, na forma como assentada no julgamento das ADPF 971, 987 e 992, se traduz em segurança jurídica na aplicação das leis federais que versam sobre o mesmo tema, eis que a sua aplicação se encontra alinhada com o quanto decidido pelo STF no recentemente julgamento sobre o assunto.
[1] Acórdão publicado no DJe de 02/08/2023, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, Plenário do STF.
[2] Disponível em https://agenciainfra.com/blog/primeira-relicitacao-de-rodovias-e-concluida-com-desconto-e-ministro-anuncia-mais-dois-lotes-ate-setembro/ . Acesso em 30.01.2025.
[3] ADI 3.521, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ 16.3.2007; ARE 869.007 ED-AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Segunda Turma; DJe 26.5.2017; ARE 724.396/RS-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 25.9.2015; ARE 807.715/PE-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe 27.3.2015; AI 811.212/RS-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ 1º.2.2010; e RMS 34.203, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21.11.2017, DJe 20.3.2018
[4] Acórdão 1597/2010-Plenário | Relator: AUGUSTO SHERMAN.
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