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Gabriela Maciel
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG. Coordenadora e professora de curso de pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro na PUC/MG; Especialista em Finanças pelo Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ). LL.M. em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC/RJ). Sócia do Maneira Advogados.
É com grande satisfação que inauguro a série de artigos sobre Direito Tributário no âmbito do projeto “Amigas da Corte”, iniciativa que tanto admiro pela promoção da inclusão e protagonismo das mulheres em espaços de poder. A proposta desta coluna é discutir a intersecção entre o Direito Tributário e os Tribunais Superiores, o que me motivou a ir além de uma análise pontual de um caso paradigmático.
Para aprofundar o conhecimento em Direito Tributário, é fundamental o domínio da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Essa constatação não representa qualquer exagero, uma vez que o Direito Tributário brasileiro se alicerça, primordialmente, nas normas relativas ao Sistema Tributário Nacional estabelecidas na Constituição Federal.
A Constituição Federal, além de estabelecer as normas gerais sobre imunidades, garantias fundamentais dos contribuintes e repartição de competências tributárias entre os três entes federativos, se desincumbiu de versar, também, sobre materialidades tributárias diversas. Esse contexto de constitucionalização do sistema tributário, somado a uma relativa facilidade de as demandas tributárias ultrapassarem o filtro da repercussão geral - posto serem, geralmente, discussões que possuem relevante impacto econômico, político, social ou jurídico -, culminou em uma atuação central da Suprema Corte na resolução dos litígios tributários.
Para ilustrar essa realidade, dos 887 temas que tiveram repercussão geral reconhecida pelo STF, 251 dizem respeito a questões tributárias, um número expressivo que reflete a importância da matéria dentro da jurisprudência da Corte, ficando atrás apenas do Direito Administrativo.[1]
Em números absolutos, conforme mapeamento quantitativo feito pela FGV Direito Rio no âmbito do projeto “Supremo Tributário”[2], os picos de processos tributários no STF ocorreram nos anos de 2003 e 2007, com 22.737 e 22.305 processos, respectivamente.[3] Atualmente, dos 22.525 processos que compõem o acervo processual do STF, 2.187 são relativos ao Direito Tributário.[4]
Além dos inúmeros julgados, os temas apreciados pela Corte também são variados. Os dez assuntos tributários mais apreciados pelo STF, desde a redemocratização até o ano de 2018, versavam sobre ICMS; Crédito tributário/Base de Cálculo; Contribuições Sociais/PIS e COFINS; Crédito Tributário/Fato Gerador e Incidência; Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU); Contribuições Previdenciárias/Servidores Inativos e Limitações ao Poder de Tributar/Isenções. Os três temas mais recorrentes, quais sejam, ICMS; Crédito tributário/Base de Cálculo e Contribuições Sociais, representaram 17,16% do total de casos tributários apreciados no período.[5]
Nesse cenário, diversas decisões emblemáticas proferidas ao longo dos anos marcaram profundamente as relações entre o Fisco e os contribuintes, além de moldarem o Direito Tributário como um todo. Essas decisões não apenas solucionaram conflitos específicos, mas também estabeleceram precedentes que influenciam diretamente a aplicação das normas tributárias, a interpretação constitucional e o comportamento das partes envolvidas.
Não posso deixar de mencionar a primeira Ação Direta de Constitucionalidade, ADC nº 01, ajuizada ainda em 1993 para questionar a constitucionalidade da criação da COFINS pela Lei Complementar nº 70/91. Naquele julgamento, a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade dos arts. 1º, 2º e 10º da referida lei – dispositivos que estabeleceram diretrizes para a disciplina das contribuições sociais e influenciaram inúmeros julgamentos posteriores -, além de assentar, também, que não há relação de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária.[6]
Fundamental citar, também, o paradigmático Tema nº 72. Em 2020, o STF, ao julgar o RE nº 576.967, declarou inconstitucional a cobrança da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade. A decisão considerou que, durante a licença, a gestante não presta serviço ao empregador, e o benefício não pode ser tratado como remuneração, mas sim como um encargo exclusivo da Previdência Social.
Além de se basear na interpretação das normas previdenciárias, a decisão teve como fundamento princípios constitucionais. O relator, Ministro Luís Roberto Barroso, apontou que essa tributação cria obstáculos à contratação de mulheres, tornando a licença-maternidade um custo adicional para o empregador. Isso agrava a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e fere o princípio da isonomia previsto na Constituição.
No âmbito da economia digital, em fevereiro/2021, tivemos o julgamento de duas ações relevantes, quais sejam: a ADI nº 1945 e a ADI nº 5659 ajuizadas em face de leis que previam a incidência do ICMS sobre licenciamento de softwares. Em ambos os casos, decidiu-se pela inconstitucionalidade das referidas normas e, por conseguinte, pela incidência do ISS sobre os referidos serviços, nos termos do item 1.05 da Lei Complementar nº 116/2003. Em que pese versar especificamente sobre licenciamento de softwares, o referido acordão tornou-se a principal diretriz para a tributação das novas tecnologias que compõem a Economia 4.0.
Os julgados são inúmeros e os exemplos infindáveis.
Daqueles que impactaram diretamente os contribuintes pessoas físicas, por exemplo, podemos citar: (i) a ADI nº 5422, no qual restou estabelecida que a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre os valores recebidos à título de pensão alimentícia é inconstitucional; (ii) o RE nº 714.139 no qual o STF declarou inconstitucional as alíquotas majoradas de ICMS incidentes sobre os serviços de telecomunicação e fornecimento de energia; (iii) o RE nº 851.108, no qual restou afastada a incidência de ITCMD sobre doações e heranças provenientes do exterior, dentre inúmeras outras.
Especificamente em relação ao ano de 2024, seguindo a tendência dos últimos anos, foram proferidas cerca de 14 mil decisões tributárias pelo STF.[7]
Em um dos primeiros julgamentos do ano, o STF declarou inconstitucionais as taxas do Município de Itaqui (RS) instituídas para o custeio de atividades do Corpo de Bombeiros (ADPF nº 1.030). Essa linha de raciocínio mantém consonância com o entendimento histórico da Corte, reafirmado na ADI 4.411, no qual se estabeleceu que a cobrança de taxas exige a possibilidade de mensurar um benefício direto e específico ao contribuinte, e que, no caso do serviço de bombeiros, o combate a incêndios é serviço público geral e indivisível.
No mesmo período, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela adequação constitucional da cobrança de PIS/COFINS sobre ganhos provenientes de locações de bens imóveis, quando constituir atividade empresarial do contribuinte, conforme estabelecido nos Temas 630 e 684 (RE nº 599.658 e RE nº 659.412). Apesar de não se tratar de serviço típico ou de comercialização de produtos, a Corte entendeu que o valor auferido em contratos de aluguel se enquadra no conceito de faturamento ou receita bruta, nos termos do art. 195, I da Constituição.
Já no julgamento da ADI nº 2.779, o STF considerou legítima a tributação pelo ICMS sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal efetuada por via marítima. Esse posicionamento põe fim a um longo impasse sobre a incidência do imposto estadual nessa modalidade de transporte.
Fundamental ressaltar também o entendimento firmado no Tema nº 1338, no qual restou estabelecida a possibilidade de propositura de ação rescisória com o objetivo de harmonizar decisão judicial transitada em julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69/RG). A justificativa repousa na força vinculante do precedente qualificado, aliada à inexistência de alteração jurisprudencial no momento do julgamento. Assim, conforme reconhecido pela Suprema Corte, o precedente estabelecido no Tema nº 69, possui caráter cogente e deve ser adequadamente observado para que os julgados permaneçam em conformidade com a orientação firmada.
No julgamento do Tema nº 1.174, o STF proclamou a inconstitucionalidade da incidência de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria e pensão pagos a contribuintes que residem no exterior, com base na alíquota de 25%. A Corte entendeu que essa forma de tributação colidia com o princípio da isonomia, na medida em que os rendimentos de aposentados e pensionistas domiciliados no país estão sujeitos à tabela progressiva, o que gerava um tratamento discriminatório em relação a residentes no exterior.
Em outra deliberação, referente ao Tema nº 1.337, o STF afirmou que o restabelecimento das alíquotas integrais de PIS e da COFINS por meio do Decreto nº 11.374/2023 não se submete à regra da anterioridade nonagesimal, prevista na alínea “c”, do inciso III, do art. 150, da CF. Tal entendimento reforça a jurisprudência – ao meu ver, equivocada -, firmada na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 84, transitada em julgado em outubro/2024.
Ainda em outubro, foi apreciado o Tema nº 863. O referido tema visava estabelecer os “limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório. concretização da igualdade material”. Ou seja, tratava-se de recurso extraordinário em que se discutia, à luz do art. 150, IV, da Constituição Federal, a razoabilidade da aplicação da multa de ofício qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, no percentual de 150% sobre a totalidade ou diferença do imposto ou contribuição não paga, não recolhida, não declarada ou declarada de forma inexata (atual § 1º c/c o inciso I do caput do art. 44 da Lei 9.430/1996), tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.
Nesse contexto, restou fixada a seguinte tese: “Até que seja editada lei complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% (cem por cento) do débito tributário, podendo ser de até 150% (cento e cinquenta por cento) do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no art. 44, § 1º-A, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 14.689/23, observando-se, ainda, o disposto no § 1º-C do citado artigo.”
Vale salientar que, em que pese ser um tema apreciado pelo STF desde a década de 60, a discussão sobre a confiscatoriedade das multas no âmbito da Suprema Corte, ainda está longe do fim. Atualmente há repercussões gerais reconhecidas, quais sejam; (i) Tema 1195 (RE nº 1.335.293/SP) – Multa de ofício não qualificada; (ii) Tema 816 (RE nº 882.461/MG) – Multa Moratória; (iii) Tema 487 (RE nº 640.452/RO) – Multa Isolada, com expectativas de julgamento ainda em 2025.
Por fim, no apagar das luzes de 2024, o STF declarou inconstitucional a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre os valores acumulados em planos de previdência privada (VGBL e PGBL), na hipótese de morte do titular do plano, conforme decidido no julgamento do RE nº 1.363.013 (Tema 1214).
Como se vê, a análise do papel do Supremo Tribunal Federal no âmbito do Direito Tributário revela sua relevância como árbitro central das disputas entre Fisco e contribuintes.
A amplitude das decisões proferidas, abordando desde temas clássicos como o ICMS e o IPTU, até questões contemporâneas como a tributação na economia digital, reflete não apenas a complexidade do sistema tributário brasileiro, mas também a necessidade de constante atualização frente às mudanças econômicas e sociais. Essa centralidade do STF reforça sua influência na definição dos limites entre o poder arrecadatório do Estado e os direitos fundamentais dos contribuintes.
Dessa forma, compreender o Direito Tributário no Brasil passa, obrigatoriamente, por um estudo atento à atuação da Corte Suprema. É nesse cenário desafiador e dinâmico que os debates tributários continuarão a ocupar um espaço de destaque, exigindo de juristas e operadores do Direito um olhar crítico e estratégico para acompanhar as transformações do cenário jurídico nacional.
E, sem dúvidas, os artigos elaborados no âmbito do presente projeto desenvolvido pelas “Amigas da Corte”, servirão para jogar luz à inúmeras dessas questões.
[1]Informações retiradas do Corte Aberta. Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/repercussao_geral/repercussao_geral.html. Acesso em: 10.01.2025
[2] Os referidos dados foram extraídos do estudo “Supremo Tributário” elaborado pela FGV Direito Rio com o propósito de mapear quantitativamente a base de dados coletada e mantida pelo “Supremo em Números” no período compreendido entre a redemocratização, em 1988, e o ano de 2018[2]. O estudo concentra-se na análise de alguns temas do Direito Tributário nas decisões do STF, tais como, a relevância da matéria tributária na Corte; os temas mais recorrentes; o papel da União, dos estados e dos municípios, a partir do exame de seus processos tributários. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/30-anos-fisco-exito-stf-contribuintes.pdf
[3] “Supremo Tributário” elaborado pela FGV Direito Rio. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/30-anos-fisco-exito-stf-contribuintes.pdf. Acesso em 10.01.2025.
[4] Informações retiradas do Corte Aberta: painel de decisões. Filtros: ano da decisão (01/01/2024 a 23/12/2024) e ramo do direito (Direito Tributário). Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/repercussao_geral/repercussao_geral.html. Acesso em: 10.01.2025
[5] Idem.
[6] Direito Tributário e o Supremo Tribunal Federal: passado, presente e futuro. Luís Roberto Barroso1 Marcus Vinicius Cardoso Barbosa. Universitas JUS, v. 27, n. 1, p. 1-20, 2016.
[7] Informações retiradas do Corte Aberta: painel de decisões. Filtros: ano da decisão (01/01/2024 a 23/12/2024) e ramo do direito (Direito Tributário). Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/repercussao_geral/repercussao_geral.html. Acesso em: 10.01.2025.
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