ADI 7480: A LUTA PELA IGUALDADE DE GÊNERO NOS CONCURSOS PÚBLICOS
- Fabiana Favreto
- 6 de mar.
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Fabiana Favreto
Bacharel em Direito pela UNISINOS. Pós-Graduada em Direito Tributário pelo IDP. Exerceu os cargos de Assessora e Chefe de Gabinete de Ministro do STJ de 2008 a 2023. Advogada do escritório F. Sarmento Advogados Associados.
Após mais de duas décadas da vigência do art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.713/98[1], o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão emblemática na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.480-SE, representando um marco na luta contra a discriminação de gênero nos concursos públicos.
A ADI foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o trecho da Lei do Estado de Sergipe (Lei n. 7.823, de 7 de abril de 2014) que limitava em 10% o percentual de mulheres nos cargos efetivos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar.
No Estado de Sergipe, por ocasião do julgamento da referida ADI, existiam apenas 452 policiais mulheres, em contraste com 5.414 homens, o que significa que apenas 7,7% da corporação militar era composta por mulheres.
Para o MPF, representado na ocasião pela Procuradora-Geral da República que assinou a ADI, Dra. Elizeta Maria de Paiva Ramos, a lei estadual que limita o quantitativo do efetivo de militares do sexo feminino nas corporações, viola vários dispositivos da Constituição Federal, a exemplo do que garante o direito à não discriminação em razão de sexo, os princípios da isonomia e da igualdade entre homens e mulheres, o direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos e o direito de acesso a cargos públicos e proibição de discriminação em razão do sexo quando da respectiva admissão.
Além da referida ADI, o MPF também moveu ações idênticas contra outros treze Estados e o Distrito Federal, contra leis limitadoras de vagas para o sexo feminino em concursos para as polícias militares.
O relator, Ministro Alexandre de Moraes, ao julgar a ADI 7.480-SE ponderou que a Constituição de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, segundo o qual todos os cidadãos devem ter tratamento idêntico.
Ainda de acordo com o ministro, a desigualdade inconstitucional na legislação ocorre quando a norma estabelece, de maneira não razoável ou arbitrária, um tratamento distinto entre homens e mulheres. Assim, quando os editais limitam o quantitativo de vagas para as candidatas do sexo feminino, sem justificativa plausível, restringem a possibilidade de concorrência para a totalidade das vagas, desrespeitando os princípios constitucionais.
Para o magistrado, o Estado tem que agir, justamente, ao contrário da limitação, devendo criar normas e medidas que impulsionem a participação, no mercado de trabalho, de grupos minoritários e discriminados, especialmente com relação aos cargos públicos.
Seguindo o relator, o Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 1º, § 1º, da Lei 7.823/2014 do Estado de Sergipe, a fim de afastar qualquer exegese que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino nos concursos públicos para a Polícia Militar do Estado de Sergipe, e modulou os efeitos da decisão para que sejam preservados os concursos já finalizados por ocasião da publicação.
A tese fixada pelo STF, que admite a possibilidade de a lei prever um número mínimo de vagas em concursos públicos a serem preenchidas exclusivamente por mulheres, ao mesmo tempo em que garante que essas candidatas possam concorrer à totalidade das vagas, é um avanço significativo no reconhecimento dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade de oportunidades.
Essa interpretação é fundamental, pois reconhece a capacidade das mulheres de competir em igualdade de condições, ao mesmo tempo em que cria mecanismos para corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão das mulheres em espaços tradicionalmente dominados por homens.
Neste contexto, é pertinente recordar que a discriminação ou a invisibilidade das mulheres é uma questão sócio-histórico-cultural que transcende as profissões em diversas áreas profissionais, sejam em carreiras públicas do judiciário, do executivo, do parlamento ou do mundo empresarial.
A presença reduzida de mulheres em cargos públicos é um reflexo de barreiras estruturais que vão além da simples participação em processos seletivos. Assim, a decisão do STF não apenas se alinha a um contexto de luta por igualdade, sendo também um convite à reflexão sobre as práticas discriminatórias que ainda persistem e sobre a necessidade de políticas afirmativas que promovam a inclusão e combatam a discriminação.
A tese definida possui implicações profundas para o futuro dos concursos públicos no Brasil que limitam percentual ao sexo feminino, isso porque em inúmeras bancas, os candidatos homens não preenchem todas as vagas disponíveis, por não alcançaram a nota mínima exigida. Em contrapartida, diversas candidatas com notas superiores ao limite de corte estavam sendo indevidamente excluídas da continuidade dos concursos públicos.
A possibilidade de reservar vagas para mulheres não deve ser vista como uma forma de limitar a concorrência, mas sim como uma estratégia para garantir que as mulheres tenham a oportunidade de ocupar espaços que historicamente lhes foram negados.
Além disso, essa decisão pode inspirar outros órgãos públicos e entidades da sociedade civil a adotarem políticas semelhantes, promovendo uma maior representatividade feminina em todas as esferas.
A ADI 7480-SE representa um marco na luta por igualdade de gênero no Brasil, ao reconhecer a importância de políticas afirmativas que promovam a inclusão das mulheres em concursos públicos. O STF, ao fixar a tese de que a reserva de vagas para mulheres é válida, mas não excludente, abre caminho para um futuro mais igualitário.
Contudo, é fundamental que continuemos a lutar contra as legislações que ainda perpetuam a discriminação e a desigualdade. A batalha pela igualdade de gênero é contínua, e cada passo dado em direção à justiça é um avanço em nossa sociedade. Importante aprimoramos nosso olhar para identificar os diferentes níveis de discriminação e preconceitos contra as mulheres, nos empenhemos na luta contra o apagamento histórico e os obstáculos ainda presentes.
É fundamental promover um movimento abrangente pela garantia de direitos, rompendo barreiras, abrindo caminhos e construindo novas realidades nesse processo, no qual nada é dado, mas tudo é conquistado por meio de competência, esforço e luta em diversas frentes.
[1] Art. 4º O efetivo de policiais militares femininos será de até dez por cento do efetivo de cada Quadro. (Revogado pela Lei nº 14.724, de 2023) (Vide ADI 7433)
Parágrafo único. Caberá ao Comandante-Geral da Polícia Militar fixar, de acordo com o previsto no caput, o percentual ideal para cada concurso, conforme as necessidades da Corporação. (Revogado pela Lei nº 14.724, de 2023) (Vide ADI 7433)
Nos últimos anos, a desigualdade de gênero tem se tornado um assunto recorrente. Mesmo com as conquistas em prol da igualdade, é preciso seguirmos na luta por um mundo em que mulheres e homens sejam livres para fazer suas escolhas, usufruindo das mesmas responsabilidades, direitos e oportunidades. Parabéns, Dra. Fabiana pela luta e por instigar reflexões e novas atitudes.