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A PRESENÇA FEMININA NO PODER JUDICIÁRIO: UMA POSSÍVEL MUDANÇA NA CASA DE MÁQUINAS?

  • Fernanda Tonetto
  • 10 de mar.
  • 4 min de leitura

 
















Fernanda Tonetto

Pós-doutora em direito pela UnB. Doutora em direito internacional pela Sorbonne. Doutora em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora universitária. Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul perante os Tribunais Superiores.




O dia 12 de março de 2025 será uma data histórica para os Tribunais Superiores e para as mulheres. Acima de tudo, a posse da Ministra Maria Elizabeth Rocha como Presidente do Superior Tribunal Militar será uma vitória da voz feminina nos espaços de poder.  


O STM é o mais antigo tribunal superior do Brasil. Sua origem remonta a 1º de abril de 1808, quando Dom João VI criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça, logo após sua chegada ao país. O órgão foi instituído para julgar crimes militares, seguindo o modelo da Justiça Militar portuguesa. Com a Constituição da República de 1891, passou a se chamar Superior Tribunal Militar.


A sua composição está prevista no artigo 123 da Constituição Federal: são 15 ministros, nomeados pelo Presidente da República, sendo 10 oriundos das Forças Armadas (4 do Exército, 3 da Marinha e 3 da Aeronáutica) e 5 civis, dentre eles 3 advogados e 2 escolhidos entre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.


Depois de quase duzentos anos de funcionamento do Tribunal, a Ministra Maria Elizabeth Rocha fora (e continua sendo) a primeira (e única) mulher a ocupar uma dessas quinze vagas. Sua assunção como Presidente da Corte simboliza, portanto, uma significativa quebra de paradigma, em diversos aspectos.

O primeiro relaciona-se ao fato de que as mulheres representam mais de 50% da população e, ainda assim, são sub-representadas em domínios importantes como a política e a cúpula dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Nada obstante, o incremento da composição feminina contribui para uma interpretação mais inclusiva das leis, especialmente em temas como direitos reprodutivos, igualdade salarial e combate ao assédio.


Além disso, é preciso lembrar que a presença de mulheres nas Forças Armadas tem crescido ao longo dos anos, mas ainda existe uma grande disparidade entre o número de mulheres na base da carreira e aquelas que chegam ao topo da hierarquia militar.


Esses números são bastante semelhantes se analisarmos os dados do Poder Judiciário brasileiro: apesar de as mulheres já serem quase a maioria dos aprovados nos concursos da magistratura em muitos Estados, essa proporção cai para 25% no segundo grau de jurisdição. O gargalo é infinitamente maior na ascensão aos tribunais superiores.


As trajetórias de Ellen Gracie, primeira mulher Ministra do Supremo Tribunal Federal, em 2000, e de Eliana Calmon, primeira mulher Ministra do Superior Tribunal de Justiça, em 1999, ajudaram a barrar a homogeneidade de gênero nos altos escalões da magistratura brasileira. Antes delas, Cnea Cimini Moreira de Oliveira havia sido a primeira mulher nomeada Ministra do TST, ainda em 1990. Entre elas, um vácuo de quase 10 anos.


Mas essa evolução, além de tardia, tem sido lenta. No Supremo Tribunal Federal tivemos até hoje apenas três mulheres e o número de mulheres na presidência de Cortes Superiores é extremamente reduzido.


Felizmente, essa cifra deverá se engrandecer com a figura de uma representante do sexo feminino, que não se rende à homogeneidade, em um órgão de cúpula, não só do Poder Judiciário, mas também e sobretudo de uma jurisdição militar eminentemente masculina.


Essa é uma constatação óbvia, mas que merece reflexões profundas. A principal delas reside em perquirir as causas de tanta desigualdade, principalmente em um país cuja ordem constitucional prega a igualdade entre homens e mulheres.


Pensando sobre o assunto, lembro-me de algumas frases que ouvi do grande jurista Argentino Roberto Gargarella, em um curso que ministrou no Instituto Max-Planck de Heidelberg, quando se referia à sua mundialmente conhecida Teoria da Casa de Máquinas.


A Teoria da Casa de Máquinas é uma crítica estrutural às constituições latino-americanas, que herdaram uma estrutura institucional profundamente desigual e pouco democrática. Ele compara o desenho institucional a uma "casa de máquinas", onde a parte mais importante da Constituição – a que define o funcionamento dos poderes do Estado – ainda segue um modelo ultrapassado, herdado do século XIX.


Dizia ele que de nada adianta mudarem-se as leis ou mesmo uma ordem constitucional inteira se a casa de máquinas não for substituída. E ele tem razão.


A Constituição Federal de 1988 representou, em sua parte dogmática, um importante avanço em termos de direitos fundamentais, mas em sua parte orgânica, manteve-se concentradora e autoritária. Resultado disso é a criação de um paradoxo: direitos avançados coexistindo com um sistema político (e social, acrescentaria eu) que não favorece sua implementação eficaz.


Transportando a teoria para o assunto desse texto, a Constituição Federal não veda, e até incentiva, a presença feminina nos espaços políticos e jurisdicionais.


No entanto, a Casa de Máquinas do Poder Judiciário remonta à herança de uma sociedade patriarcal, cujo tecido é costurado pelo racismo, pelo machismo e tantos outros ismos. O resultado dessa teia é a (quase) homogeneidade masculina no topo da pirâmide.

Diante da ausência de uma verdadeira reformulação das instituições, o avanço dos direitos continuará sendo apenas uma norma programática formal.


Enquanto a promessa constitucional da isonomia não penetrar verdadeira e profundamente cada uma das células sociais, a Casa de Máquinas continuará sendo a mesma.

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